JORNAL LUSITANO

Cláudia Elias

Jorge Ruivo, autor do estudo sobre a emigração em França

Evolução no sentido da promoção social

Lançado há três semanas, "Portugais et population d’origine portugaise en France" constitui uma referência sobre a comunidade lusa naquele país. O livro pretende traçar o retrato da emigração portuguesa desde os anos 60 até 2001 e reúne a mais completa colecção de estatísticas alguma vez publicadas. Em entrevista ao Lusitano, Jorge Rodrigues Ruivo, autor deste estudo, fala desta experiência e da constante actualização de dados com que se deparou ao longo do processo de elaboração da obra. Comentando diversos pontos relevantes na evolução da população portuguesa em território francês, o autor salientou ainda a necessidade em continuar a acompanhar este estudo, de modo a perceber qual o rumo da emigração a partir daqui.

 

Lusitano – Como é que surgiu a ideia de escrever um livro acerca da emigração portuguesa em França?

Jorge Rodrigues Ruivo – O trabalho de pesquisa teve inicio durante o tempo que trabalhei em Portugal na Caixa Geral de Depósitos, onde me foi pedido para fazer um estudo acerca de uns clientes do grupo. No entanto, isso foi apenas um ponto e partida para este livro, a que me dediquei sempre nos meus tempos livres, fora do horário de trabalho.

 

Quanto tempo levou a fazer este estudo?

Todos os estudos estatísticos têm de estar constantemente a ser actualizados. O trabalho foi basicamente feito nos dois primeiros anos (entre 1996 e 1997) e depois, até 2001, foi uma constante actualização consoante os dados estatísticos e outros, como alterações sofridas na legislação.

Foi publicado pelas edições Harmattan, em Paris, uma editora especializada em estudos sobre a América Latina, Ásia e todos os países lusófonos. Contudo, soube há pouco tempo que aquela editora foi inicialmente uma livraria portuguesa.

 

Teve alguns apoios para esta publicação, nomeadamente no que concerne a entidades portuguesas?

Não tive apoios, mas também não fiz grande pressão nesse sentido. O único pedido que fiz oficialmente, há cerca de dois anos, foi à Direcção Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas, mas até hoje não obtive qualquer resposta.

 

Apesar de já estar disponível no mercado, este livro não chegou a ser lançado oficialmente. Está prevista alguma iniciativa para o efeito?

Neste momento estou a trabalhar com o Centro Calouste Gulbenkian em Paris para fazer uma apresentação do livro na presença de técnicos especializados e sociólogos que estudam a comunidade portuguesa em França. Como tenho uma formação em economia, a ideia é confrontar estes dados com os de pessoas que estão mais por dentro do estudo da comunidade portuguesa em França.

 

Portugueses com salários mais elevados

 

O livro incide essencialmente nos aspectos da emigração lusa em França desde os anos 60 até 2001. Fale um pouco acerca da evolução desta comunidade portuguesa?

O livro fala da chamada emigração contemporânea, uma vez que houve sempre casos de emigração entre Portugal e França. Contudo, aquelas ondas maciças de emigração datam dos anos 60. A evolução em termos de integração foi muito rápida, apesar de há alguns anos terem falado de insucesso devido a um estudo editado em 1995. Esse estudo dizia que a integração dos portugueses em França não teve o sucesso esperado, porque, por exemplo, a evolução em termos socio-profissional dos pais em comparação com os filhos era praticamente a mesma. E este livro agora vem também corrigir algumas interpretações daqueles dados.

 

Como quais, por exemplo?

Era dito, por exemplo, que portugueses não procuravam vídeos na língua materna. Foram apresentadas várias percentagens relativamente a todas as nacionalidades estrangeiras em França e, de facto, todas revelaram interesse em os procurar ou adquirir. Mas, no caso dos portugueses, essa percentagem era muito fraca e o estudo concluía que "os portugueses não procuram absolutamente". Mas a análise não pode ficar por aqui. Naquele tempo não havia procura porque a difusão era difícil e não havia oferta de vídeos em Língua Portuguesa. Aliás, ainda hoje não é suficientemente apoiada para ser difundida em França. Por outro lado, se tivermos em conta a procura de jornais portugueses e da própria RTPi, vemos realmente que existe uma forte procura.

Outro aspecto diz respeito à evolução da escolaridade dos filhos dos portugueses que, segundo aquele estudo, frequentam menos as universidades que os filhos, por exemplo, dos marroquinos ou argelinos. Isso é de facto uma realidade, mas há que aprofundar o estudo e saber quantos diplomas são obtidos pelos filhos dos emigrantes das diferentes nacionalidades estrangeiras em França. Apesar de serem poucos, se calhar vale a pena dizer que os filhos dos portugueses conseguem mais diplomas do que outros.

 

Dessa forma, que conclusões se podem tirar da vivência dos portugueses em França?

Os portugueses tornam-se cada vez mais proprietários das suas residências e actualmente, essa onda de emigração lusa dos anos 60, são pessoas que estão prestes a terminar a sua vida activa e que têm um nível de vida suficientemente bom. De facto, no que respeita a salários, já em 1990 o agregado familiar português em França era de cerca de 20 por cento superior à média de um agregado familiar francês. Isso são dados que não foram muito publicitados, mas é a realidade.

Contudo, também importa justificar esses dados. Em França, a mulher portuguesa é quem apresenta a maior taxa de actividade, o que provoca um salário mais elevado em termos de agregado familiar.

 

Integrados sem esquecer Portugal

 

No livro frisa também as elevadas transferências recebidas em Portugal oriundas dos portugueses em França.

Isso é um factor muito importante para justificar o quão importante é a emigração lusa em França. Apesar de representarem apenas 17 a 18 por cento do total da emigração portuguesa no mundo, os portugueses em França são responsáveis por 40 por cento das transferências de emigrantes recebidas em Portugal. Mas, mesmo quando se analisam, pelo Banco de França, as transferências dos emigrantes, os portugueses representam 42 por cento de todas as transferências que saem de França. Ou seja, esta comunidade tem um peso muito grande não só para Portugal, mas também em termos de população emigrante em França.

 

Tendo em conta as características sociais e profissionais, qual foi no fundo a grande evolução da comunidade lusa em França?

Os portugueses quando chegaram a França tinham salários baixos, mas conseguiram evoluir em termos de promoção social. Começaram por ser simples operários e conseguiram promoção no emprego, passando a operários qualificados. Continuam a ser operários, mas conseguiram promoções internas que proporcionaram salários mais vantajosos. Desta forma, nessa geração, a evolução foi mais num sentido de promoção social, mas na categoria que iniciaram. No fundo, foram compensados pelo trabalho e pela vontade que tiveram em melhorar o que estavam a fazer.

 

Essas promoções proporcionaram, de algum modo, uma melhor integração na sociedade de acolhimento?

Os portugueses, ao contrário de outras populações, não se concentraram apenas em determinadas zonas e penso que isso possibilitou uma integração mais fácil em termos visíveis. Há zonas onde existe uma maior concentração de portugueses, mas não tão fortes como, por exemplo, dos turcos, que se concentram muito entre eles e cujos intercâmbios com os franceses não são tão frequentes. Isso provavelmente originou que a integração dos portugueses, em termos visíveis, fosse mais evidente.

Contudo, conseguem ter uma relação privilegiada com Portugal. As viagens a Portugal são repetitivas e há uma procura da cultura portuguesa, nomeadamente dos jornais. Segundo um investigador do INED – Instituto Nacional de Estudos Demográficos, apesar dos portugueses estarem visivelmente integrados, mantêm uma forte ligação com as tradições do país de origem. Aliás, nesse estudo francês, pode mesmo ler-se que "o exemplo de Portugal contraria neste caso as evidências do sentido comum, ao mesmo tempo que os portugueses em França são vistos como o modelo de imigrante cuja integração ninguém põe em causa, estes dispõem dos meios os mais aperfeiçoados para preservar a identidade e manter as ligações com a terra natal". De facto, a comunidade lusa integrou-se e confunde-se com o todo da população francesa, mas, apesar de tudo, continua com muitas afinidades com Portugal.

 

Nesse aspecto talvez seja de realçar o importante papel da inúmeras associações portuguesas em França.

Isso é muito importante, pois há muitas associações portuguesas em França. Contudo, segundo o mesmo estudo do INED, a potência associativa lusa não se justifica, porque a percentagem de portugueses que fazem parte de uma associação é de 5 por cento. Mas isso não se pode analisar assim. Evidentemente que nem todas as associações têm um número forte de associados, mas há que referir que quando há eventos importantes conseguem mobilizar muito além da base que têm. Por exemplo a festa da Rádio Alfa, os organizadores falam da participação de cerca de 30 mil pessoas. São manifestações importantes para uma comunidade que está em França há 40 anos e que deveria estar completamente integrada e mais afastada das preocupações de Portugal. E isso é visível também noutros eventos, como concertos ou fóruns. Portanto, 40 anos depois, ainda há capacidade de mobilizar a comunidade em eventos sobre a cultura portuguesa.

Mas quando se fala em 30 mil pessoas, nem todas são da primeira geração. E apesar de muita gente dizer que os portugueses de segunda geração não se interessam tanto, há muitas associações portuguesas que têm um grupo folclórico ou uma equipa de futebol e não podemos dizer que são apenas os da primeira geração que estão ligados a essas actividades. Os jovens que estão na equipas de futebol, por exemplo, já são de outras gerações. É verdade que existe uma parte deles que já não vão tanto a Portugal, mas continuam a participar em actividades de associações portuguesas.

Apesar de 11 por cento de todos os casamentos em França terem sido de casais mistos luso-franceses em 1992, o que prova uma forte integração, continua a haver ainda elos muito fortes entre os portugueses em França e Portugal. Muitas vezes trata-se de uma ligação afectiva, com a terra onde nasceram e com alguns familiares que ainda têm lá, mas não deixam de estar ligados a Portugal.

 

Fraca mobilização para actos eleitorais

 

A participação dos emigrantes portugueses em actos eleitorais e a aquisição da nacionalidade francesa são também aspectos focados no livro. Como é que analisa estas situações?

O que se constata em termos de mobilização eleitoral é a mesma desde há vários anos. É uma mobilização muito fraca, quer em participações portuguesas, quer para as recentes eleições para os municípios franceses, em que os portugueses puderam votar pela primeira vez. Mas isso deve-se ao facto dos portugueses em França nunca terem tido o hábito de votar, porque a emigração foi considerada no início como uma passagem. As pessoas tinham intenção de chegar a França, ganhar algum dinheiro e depois regressar a Portugal. Muitos deles não pensavam ficar tanto tempo e, como tal, nunca tiveram a preocupação de se inscrever nos cadernos eleitorais. No entanto, há outras explicações, como o terem deixado Portugal numa altura em que a situação política era muito mais complicada.

Quanto à obtenção da nacionalidade francesa note-se que em 1990 contavam-se oficialmente 649.714 mil portugueses em França. Nesse ano, apenas 0,8 por cento deles adoptaram a nacionalidade francesa. Contudo, há que ter em conta que até 1993 os jovens nascidos em França adquiriam automaticamente a nacionalidade francesa. Ou seja, aos 16 anos, todos os filhos de portugueses nascidos em França tornavam-se automaticamente franceses. Esse processo foi interrompido em 1993 até 1998 e a obtenção da nacionalidade francesa deixou de ser automática para passar a ser requisitada. E durante esse período registaram-se, de facto, alguns pedidos entre os filhos de portugueses. Posteriormente, em 1998, com uma nova cor política em França, voltou-se à lei precedente e a aquisição da nacionalidade francesa passou a ser novamente automática, o que se mantém até hoje.

Isso não está contabilizado, mas a tendência é de que a maioria dos filhos de portugueses optem pela aquisição automática da nacionalidade. Ou seja, oficialmente hoje já não são portugueses. Mas se os pais tiveram a precaução de os registar no consulado e se forem para Portugal, passam a ser portugueses.

 

No livro fala da emigração lusa em França até ao ano passado. No futuro, tem intenção de continuar este estudo?

Acho que valeria a pena, daqui a dois ou três anos, actualizar os dados para ver como as coisas evoluíram e saber se houve grandes modificações. Contudo, há outros aspectos que no livro não são tratados, uma vez que não é um estudo pormenorizado. Seria interessante estudar, por exemplo, o fenómeno das empresas portuguesas em França. Isso é um caso em que não há quase estatísticas, mas que é uma realidade, pois há muitas empresas em França criadas ou dirigidas por portugueses ou lusodescendentes. Pode muito bem ser uma parte a desenvolver.

Penso que este livro tem muitos dados expostos e há alguns pontos de interesse, como as reformas. Muitos dos portugueses em França estão prestes a chegar à idade da reforma e acho que dentro de mais ou menos cinco anos as coisas vão mudar bastante e é importante ter alguma atenção face a essa evolução. Finalmente há ainda a questão dos bancos portugueses em França que sempre acompanharam o processo de emigração, até porque tinham interesse económico. Contudo, neste processo gostava de salientar uma oportunidade para os grupos nacionais, que têm redes importantes em França e que agora, com o euro, têm uma grande oportunidade de poderem oferecer serviços não só a portugueses, mas a todos os europeus. O acompanhamento da emigração, tanto em França como em outros países, permitiu aos bancos portugueses algumas oportunidades de estarem presentes e o que oferecem hoje aos portugueses podem também oferecer aos franceses, pois têm redes que permitem isso.

 

CX:

 

 

Jorge Ruivo

 

Entre Portugal e França

 

Nascido na Cartaria, concelho de Pombal, Jorge Ruivo emigrou para França com os pais com apenas dois anos de idade. Tendo feito toda a escolaridade naquele país, Jorge Ruivo frequentou por dois anos o ensino superior numa área cientifica. No entanto, acabou por se licenciar em Economia Internacional.

Após obter uma pós-gradução em Economia Europeia, na Universidade Paris Norte, Jorge Ruivo voltou para Portugal, onde estagiou durante seis meses na Alcantel e, posteriormente na Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa, onde iniciou o trabalho de pesquisa acerca dos emigrantes portugueses em França.

Tendo depois regressado a território francês, onde chegou a trabalhar num banco português e em diversas seguradoras, Jorge Ruivo é actualmente técnico na Delegação do ICEP em Paris. Contudo, este economista português nunca deixou de acompanhar a evolução da comunidade lusa em França e, após constantes actualizações, publicou finalmente um estudo acerca dos emigrantes portugueses desde os anos 60 até ao ano passado.

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