AGENCIA LUSA
+++Por Arthur Silva, da Agência Lusa+++ Paris, 06 Fev (Lusa) - A emigração portuguesa em França, dos anos 60 até aos dias de hoje, com dados estatísticos e análise dos principais aspectos da vida da diáspora, é o tema de um livro lançado em Paris. Escrito por Jorge Rodrigues Ruivo, o livro, "Portugueses e população de origem portuguesa em França", das edições L'Harmattan, em Paris, é o fruto de um trabalho de cinco anos. O livro esteve durante um ano nas gavetas da Embaixada de Portugal em Paris, à espera de ser publicado em português, acabando por surgir em língua francesa, por iniciativa de uma editora parisiense. Trata-se de uma obra na qual o autor faz a "radiografia" da vida de uma comunidade, "marcada pelos bairros da lata, os bidonvilles, mas que hoje está num cruzamento, entre a primeira geração às portas da reforma e os seus descendentes integrados em França, mas sempre com Portugal no coração", referiu à Lusa Jorge Rodrigues Ruivo. "Não se pode falar propriamente de integração no que diz respeito à comunidade, a situação é mais complicada do que isso, foi uma das constatações a que cheguei", acrescentou o autor. Com efeito, prosseguiu, "os portugueses apesar de estarem bem integrados, como se pode ouvir dizer, guardaram muitas afinidades com o país de origem, tanto mais que, fisicamente não estão longe, apenas a duas horas de avião". "A prova disso? - o numero de associações, mais de 700, e o volume de remessas que continuam a ser uma das mais fortes da emigração portuguesa no mundo, ou seja, 40 por cento do total das remessas, quando os portugueses de França representam 17 ou 18 por cento dos emigrados lusos a nível mundial", frisou. A Língua Portuguesa, a escolaridade dos jovens de origem portuguesa, a próxima vaga de aposentações e o mito do "regresso à Pátria", as remessas, que se mantêm a nível alto, são pontos que servem, a par de estatísticas oficiais e de um trabalho de investigação, para Jorge Rodrigues Ruivo retratar de uma certa forma a sua vida, desde que chegou a França com dois anos de idade. Natural da aldeia da Cartaria, freguesia de Albergaria-dos-Doze, Concelho de Pombal, onde nasceu em 1967, Jorge Ruivo fez toda a sua escolaridade em França, e depois de ter iniciado o curso de Física e a Matemática na Faculdade de Jussieu, Paris, mudou de orientação e entrou na Sorbonne, onde obteve uma licenciatura de Economia Internacional. Depois de uma pós-graduação (DESS) na Universidade Paris IX, sobre Economia Europeia, Jorge Ruivo foi para Portugal, regressando depois a Paris, onde é funcionário do ICEP (Investimentos Comércio e Turismo de Portugal) desde há quatro anos. "A problemática da emigração, o seu percurso e o que nos reserva o futuro, sempre me interessou, e aliás, em 1991 participei na fundação da associação de jovens luso- descendentes Cap Magellan, onde criei o Departamento de Estágios, que ainda hoje funciona", salientou Jorge Ruivo. O projecto do livro nasceu em 1995, "dado que não havia nenhum estudo sobre a Comunidade Portuguesa que tivesse em conta a imensidade de estatísticas disponíveis, e sobretudo que pusesse em perspectiva os números com a realidade, de forma a conhecer verdadeiramente quem são os portugueses de França", frisou. As estatísticas disponíveis, nomeadamente, do INSEE (Instituto Nacional de Estatística) e do INED (Instituto Nacional dos Estudos Demográficos), nunca tinha "cruzadas" e sobretudo, analisadas no sentido de compreender de "onde vêm, por onde passaram e para onde vão essas centenas de milhares de portugueses que vieram para França". O estudo de Jorge Ruivo é baseado no Censo da População realizado em 1990, enriquecido com estatísticas mais recentes e alguns dados do Censo de 1999, cujos resultados estão a ser publicados a "conta-gotas". A grande vaga da emigração portuguesa para França teve início nos anos 60, com dois picos, em 1967 e 1974, respectivamente com a entrada de 120.000 e 80.000 cidadãos lusos, a maioria dos quais passou a fronteira "a salto". Em 1968, o numero de portugueses em França já atingia 296.448, onde a maioria, 64,6 por cento eram homens, uma situação que só foi equilibrada por volta de 1974, com o reagrupamento familiar. Em 1975, o numero total de portugueses atingiu o seu apogeu, cerca de 758.925, em que a população com menos de 34 anos representava dois terços dos portugueses residentes em França. Apesar da entrada de Portugal na então Comunidade Europeia, em 1988, e a livre circulação das pessoas a partir de 01 de Janeiro de 1992, o numero de portugueses em França tem diminuído, com 649.714 em 1990, enquanto o último censo de 1999 aponta para 553.663 pessoas com o título de estadia comunitário. Além de um menor fluxo migratório, a aquisição da nacionalidade francesa, por naturalização ou por casamento, foi um factor importante nessa redução. Em 1990, cerca de 101.000 portugueses tinham a nacionalidade francesa, e embora a maior parte tenha conservado a sua nacionalidade de origem, para os franceses deixaram de ser emigrantes e contabilizados como tal. Fenómeno aliás, refere o livro de Jorge Ruivo, que é extensivo a outras nacionalidades, ao ponto de em 1999 um em cada três bebés nascidos em França ter um avô estrangeiro. Certas regiões de Portugal foram vítimas da hemorragia provocada pela emigração, com 60 por cento dos portugueses de França originários do Norte e do Centro de Portugal, enquanto Lisboa e o Vale do Tejo forneceram 15 por cento dos emigrantes, e, facto salientado por Jorge Ruivo, "perto de 15% vieram dos Açores". Em França, cerca de metade dos portugueses estão concentrados em Paris e arredores, cerca de 45 por cento, seguido pela região Rhône-Alpes (Lyon, etc) com 10 por cento, o Centro com 6 por cento, a Aquitaine (Bordéus, Pirinéus, etc) com 5 por cento, e os restantes 34 por cento estão espalhados pela França, "não existindo praticamente numa aldeia ou cidade onde não hajam portugueses". Portugueses que, à semelhança da população de França, têm vicissitudes (644 pessoas de origem portuguesa nas prisões franceses em 1995), mas também virtudes, apenas 1,1 no desemprego, como refere o INSEE, no estudo realizado em 1990, e que deve ter sofrido poucas alterações. A nível profissional, enquanto se aguardam os resultados do Censo de 1999, os dados disponíveis de 1990 apontavam para uma população activa na ordem de 388.516 pessoas, ou seja mais de metade do numero de portugueses residentes em França. Em 1995, cerca de 66 por cento da mão de obra portuguesa trabalhava na Construção Civil e Obras Públicas, enquanto que, segundo o Censo de 1990, cerca de 88,3 por cento da população activa portuguesa em França pertencia às categorias de operários e empregados. Cerca de 20.000 portugueses, em 1990, eram comerciantes, trabalhadores independentes ou artesãos, um numero que foi aumentado substancialmente nos últimos anos, pois, segundo estatísticas das Câmaras de Comércio e de Artesanato franceses, são dezenas de milhar as Pequenas e Médias Empresas (PME) cujos proprietários "têm um nome de origem portuguesa". No capítulo do alojamento, recorda-se a triste época dos bairros da lata, sobretudo o "malfadado bidonville de Champigny", arredores de Paris, por onde passaram dezenas de milhar de portugueses. Champigny, Massy Palaiseau, Nanterre e Saint-Denis são nomes que ficaram gravados como chagas na carne dos portugueses que chegaram a França no anos 60. O estudo de Jorge Ruivo indica que "os portugueses, depois de terem construído a casa em Portugal e de comprarem andares", "estão na média francesa no que diz respeito a casa própria em França". Em 1990, 53,2 por cento dos chefes de família de origem portuguesa eram proprietários do alojamento que ocupavam, enquanto que em 1992 39 por cento dos portugueses residentes em França eram proprietários do seu alojamento. A nível salarial, uma das surpresas do livro "Portugueses e população de origem portuguesa em França" reside nas estatísticas do INSEE, que, em 1990, constatam que os rendimentos anuais dos portugueses são superiores em 19,9 por cento à média francesa. Uma situação resultante do facto de, no seio das famílias portuguesas, a mulher trabalhar em maior proporção do que a restante população feminina em França. Jorge Ruivo constata igualmente que na diáspora portuguesa em França o trabalho infantil é quase inexistente, o que prova "um certo sucesso financeiro da parte daqueles que chegaram aqui numa posição muito fragilizada, social e culturalmente". A nível dos jovens, precisamente, uma das curiosidades é que proporcionalmente, a comunidade portuguesa era, em 1990, aquela que tinha mais filhos no Ensino Privado. "Isto significa que os pais portugueses também apostam na escolaridade dos filhos e estão dispostos a pagar", realçou Jorge Ruivo. No entanto, os jovens de origem portuguesa são aqueles que mais cedo e mais depressa entravam na vida activa, um facto que "pode ser explicado pelo nível cultural dos pais, são pessoas que, na maioria são de origem rural". Mas para Jorge Ruivo, isso não é grave, "uma pessoa que tem uma escolaridade baixa pode ter uma vida com sucesso, uma profissão digna e muito bem remunerada, basta ver por exemplo, o que ganham os picheleiros e os electricistas". A maioria dos diplomas obtidos pelos jovens de origem portuguesa nascidos em França são essencialmente o CAP e o BEP, diplomas que levam directamente a exercer uma profissão. A nível universitário, apenas 3.349 jovens de origem portuguesa frequentavam as Faculdades, enquanto que, para uma população sensivelmente idêntica, havia 24.036 jovens de origem marroquina nas Universidades. Que futuro para os portugueses de França? - a esta questão o livro de Jorge Ruivo traça algumas perspectivas, que passam pela primeira geração e pelos filhos desses "pioneiros da aventura francesa". A passagem à reforma de centenas de milhar de portugueses não significa para o autor que "os que partiram de Portugal nos anos 60 e que agora chegam à reforma voltam para Portugal e que acabou-se tudo". "Não é assim, as coisa continuam, os filhos estão cá, têm cá casa e rendimentos e vão ter as reformas que serão pagas cá, e as transferências (remessas) vão continuar enquanto a pessoa for viva", sublinhou. Para Jorge Ruivo, a reforma "será mais um passo evolutivo na vida do emigrante, acaba uma época, para começar outra um pouco diferente, que é a dos filhos". "E' evidente que os filhos já não são emigrantes e que, quando um filho de pais portugueses que nasceu em França vai para Portugal não é um regresso, é uma ida", frisou. "Portugueses e população de origem portuguesa" aguarda agora publicação em Portugal, para que seja conhecido um percurso de centenas de milhar de pessoas que não se podem resumir em alguns clichés, tal como os "champignys", ou confundidos com a péssima imagem dada pela "mala de cartão", de uma cantora que fez naufrágio nas margens do rio Sena. ARS Lusa/Fim
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